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Mulheres no mercado digital: Passado, presente e futuro da inclusão feminina na tecnologia

A presença feminina no mercado digital é um tema que tem ganhado cada vez mais relevância, tanto pela importância da diversidade na inovação quanto pela necessidade de corrigir desigualdades históricas. Embora muitas pessoas associem a tecnologia a um ambiente majoritariamente masculino, a realidade é que as mulheres desempenharam papéis fundamentais na construção do setor digital desde seu início. No entanto, ao longo dos anos, sua presença foi diminuindo devido a diversos fatores sociais e culturais.
Neste artigo, vamos explorar como as mulheres moldaram o setor digital, quais desafios ainda enfrentam, as iniciativas que buscam aumentar sua participação e o impacto que isso pode ter para o futuro da tecnologia.
As pioneiras da computação e o passado feminino no Digital
O mercado digital tem raízes na computação e na tecnologia da informação, áreas que, surpreendentemente para muitos, contaram com a participação ativa de mulheres em seus primórdios. Algumas das figuras mais influentes no desenvolvimento da computação foram mulheres.
Ada Lovelace: A primeira programadora da história
Ada Lovelace (1815-1852) foi uma matemática britânica que criou o primeiro algoritmo da história para ser processado por uma máquina – a Máquina Analítica de Charles Babbage. Seu trabalho foi pioneiro para o desenvolvimento dos computadores modernos e serviu de base para a programação.
As computadoras da NASA
Durante a Segunda Guerra Mundial e nos anos seguintes, mulheres foram amplamente empregadas como “computadoras humanas”, realizando cálculos complexos em áreas como a engenharia e a física. Nos Estados Unidos, a NASA empregou muitas dessas mulheres para calcular trajetórias espaciais. Um dos exemplos mais emblemáticos é Katherine Johnson, que foi essencial para o sucesso das missões da Apollo.
Grace Hopper e a revolução dos compiladores
Nos anos 1950, Grace Hopper criou o primeiro compilador, que tornou a programação acessível a mais pessoas, permitindo o uso de linguagens mais intuitivas em vez de código puramente binário. Ela também foi uma das criadoras da linguagem COBOL, amplamente usada em sistemas empresariais até hoje.
O Declínio da presença feminina na tecnologia
Apesar da forte presença feminina no início da computação, essa participação começou a cair drasticamente a partir dos anos 1980. Esse declínio não foi resultado de uma falta de interesse natural das mulheres, mas sim de mudanças culturais e estruturais que desencorajaram sua permanência e entrada no setor.
Um dos principais fatores foi o marketing dos computadores pessoais. Quando os primeiros computadores começaram a ser vendidos para o público em geral, a publicidade e os materiais promocionais eram voltados majoritariamente para meninos e homens. A ideia de que os computadores eram “brinquedos para garotos” fez com que, já na infância, as meninas tivessem menos acesso à tecnologia e, consequentemente, menos incentivo para seguir carreiras nessa área.
Além disso, os cursos de computação e engenharia de software começaram a ser percebidos como espaços predominantemente masculinos. Estudos mostram que, na década de 1970, o número de mulheres matriculadas em cursos de ciência da computação era muito maior do que na década de 1990. Isso se deveu, em parte, à cultura universitária da época, que passou a valorizar um perfil mais masculino e excludente para os cursos de tecnologia.
Outro fator relevante foi a transformação do ambiente de trabalho na área de tecnologia. Com o crescimento do setor de tecnologia comercial, empresas passaram a contratar cada vez mais homens para os cargos de destaque, criando um ambiente hostil para a presença feminina. Muitas mulheres relataram experiências de discriminação e barreiras para crescimento profissional, o que contribuiu para a sua saída do setor.
O impacto desse declínio foi profundo e duradouro. A falta de representatividade feminina no mercado digital ainda hoje é uma consequência dessas mudanças que ocorreram há mais de 40 anos. A boa notícia é que, nas últimas décadas, diversos esforços têm sido feitos para reverter essa tendência e resgatar o papel das mulheres na tecnologia.
Mulheres no mercado digital hoje: Desafios e avanços
Embora a presença feminina no mercado digital tenha aumentado nas últimas décadas, os desafios ainda são consideráveis. Dados mostram que a desigualdade de gênero persiste tanto no Brasil quanto no cenário global.
Participação das mulheres no setor digital
No Brasil, as mulheres representam cerca de 20% da força de trabalho na área de tecnologia, refletindo uma realidade global similar. Nos Estados Unidos, por exemplo, apenas 26% dos cargos no setor digital são ocupados por mulheres. Essa representatividade ainda é baixa, o que revela a necessidade de mudanças estruturais que tornem o ambiente mais inclusivo. A desigualdade não se limita à tecnologia, mas também se manifesta em outras vertentes do digital, como marketing, design, análise de dados e empreendedorismo, áreas nas quais as mulheres continuam a enfrentar barreiras para alcançar cargos de liderança e conquistar a equidade salarial.
A disparidade salarial é um dos principais desafios enfrentados pelas profissionais do setor, com as mulheres recebendo, em média, menos do que seus colegas homens, mesmo desempenhando funções equivalentes. Essa diferença, conhecida como “gender pay gap”, ainda persiste, apesar de políticas que buscam a equidade salarial e a transparência. Além disso, o acesso a posições de liderança continua sendo um obstáculo, com estudos mostrando que apenas 25% dos cargos de gerência e 12% dos cargos executivos em tecnologia são ocupados por mulheres. A situação é ainda mais desafiadora em startups e empresas de tecnologia de ponta, onde a cultura corporativa, predominantemente masculina, cria barreiras adicionais.
Iniciativas para aumentar a presença feminina no Digital
Diante desse cenário, diversas iniciativas têm surgido para incentivar a entrada e permanência de mulheres no setor digital. Algumas delas têm mostrado resultados positivos e um impacto significativo.
Programas como Reprograma, PrograMaria, Laboratória e Women Who Code são exemplos de iniciativas que buscam ensinar programação e tecnologia para mulheres. Esses bootcamps têm conseguido aumentar a participação feminina no setor e auxiliar na inserção no mercado de trabalho. Além desses, o Digital por Elas é uma iniciativa voltada para destacar o potencial das mulheres nesse setor e promover sua inclusão e visibilidade no mercado. O programa também busca evidenciar às mulheres participantes, levar conteúdo por meio de palestras e união em outros eventos além de apoiar projetos de mulheres que estão inovando nesse campo.
Outras iniciativas têm surgido para promover a participação feminina em diferentes setores do digital, como design, marketing digital e SEO. Alguns exemplos incluem:
- SheSays – Um movimento global dedicado a promover a diversidade de gênero nas indústrias criativas, incluindo design e publicidade. O SheSays organiza eventos, workshops e mentorias para mulheres que desejam avançar nas suas carreiras criativas e de design.
- Digital Women – Programa focado em capacitar mulheres para atuar em diversas áreas do marketing digital, incluindo gestão de mídia social, SEO e análise de dados. A iniciativa oferece cursos, workshops e uma rede de apoio para mulheres que buscam se destacar no mercado digital.
- Women in Digital – Essa rede global oferece mentoria e programas de capacitação para mulheres que buscam carreiras em marketing digital, estratégias de SEO, marketing de conteúdo, e-commerce e outras áreas do setor digital. O foco é dar visibilidade e apoio ao desenvolvimento de habilidades técnicas e de liderança.
- Ladies that UX – Focada em UX (User Experience) e design de interfaces, essa rede de apoio oferece workshops, eventos e oportunidades de networking para mulheres interessadas em design de produtos digitais e experiências de usuário. O objetivo é aumentar a representatividade feminina em uma área predominante de homens.
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Políticas de diversidade nas empresas
Essas iniciativas não só oferecem capacitação técnica, mas também buscam criar uma rede de apoio e mentoria para fortalecer a presença feminina em áreas essenciais do digital, ajudando a quebrar barreiras e promover uma maior inclusão e igualdade no setor.
Empresas como Google, Microsoft e Facebook têm se destacado na adoção de políticas de diversidade e inclusão, com o objetivo de aumentar a representatividade feminina e promover a equidade de gênero em todos os níveis da organização. O Google, por exemplo, tem implementado metas claras para aumentar a diversidade em suas equipes, com foco na contratação de mulheres e grupos sub-representados. A gigante da tecnologia também oferece programas de mentoria e desenvolvimento de liderança para mulheres, além de criar ambientes mais flexíveis para apoiar as necessidades das mães que trabalham, com benefícios como licença parental e salas de amamentação.
A Microsoft, por sua vez, tem investido em iniciativas para garantir uma equidade salarial entre homens e mulheres, além de buscar aumentar a presença feminina em áreas dominadas por homens, como engenharia e tecnologia. A empresa criou programas como o “Microsoft Women at Work” para oferecer suporte, treinamento e oportunidades de crescimento para mulheres, além de desenvolver uma cultura organizacional inclusiva que valoriza a diversidade em todos os seus aspectos.
Já o Facebook, agora Meta, adota políticas de recrutamento e retenção com foco na diversidade, com o compromisso de aumentar a presença de mulheres em cargos de liderança. Além disso, a empresa tem se dedicado a criar um ambiente inclusivo por meio de programas de apoio para mulheres em tecnologia, bem como iniciativas para aumentar a representatividade de gênero nos seus produtos e serviços.
Essas políticas visam não apenas aumentar a presença feminina, mas também garantir que as mulheres tenham as mesmas oportunidades de desenvolvimento e crescimento dentro das empresas, com ações concretas para combater a desigualdade salarial e promover uma cultura inclusiva.
Além dessas iniciativas de grandes empresas, no contexto nacional, estamos muito felizes em compartilhar a certificação da mulher que recentemente conquistamos. Esse reconhecimento reflete nosso compromisso com a promoção da equidade de gênero no ambiente digital e empresarial. A certificação reconhece os esforços contínuos para garantir oportunidades iguais para as mulheres em nossa organização e no setor como um todo, sendo um passo importante para reforçar nosso papel na luta pela inclusão e empowerment feminino no digital.
Conclusão
A história das mulheres no mercado digital é de resistência e inovação. Apesar das dificuldades, as mulheres têm mostrado sua competência e conquistado espaço em um setor que precisa de mais diversidade para continuar evoluindo.
Ainda há um longo caminho a percorrer, mas com iniciativas de capacitação, políticas empresariais inclusivas e uma mudança cultural mais ampla, o futuro do digital pode ser muito mais equilibrado e inovador.
É hora de reconhecer, incentivar e garantir que as mulheres tenham o lugar que merecem no mercado digital – não como exceção, mas como regra.
Malu Melo
Diretora Nacional de Sustentabilidade AnaMid
Diretora Executiva na Saatis
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